Ecoh

“É um espetáculo que traz muito das minhas inquietações atuais, dos estudos decoloniais do doutorado e também por conta desse momento histórico que o Brasil está vivendo, das lutas que eu tenho acompanhado. A luta antirracista, do movimento negro, a luta feminista e a luta pela vida das populações indígenas”. Kiara Terra

Entrevista por Christina Mattos | Fotos: Paulo Savala.

A atriz e narradora Kiara Terra participou de quase todas as edições do ECOH. Suas apresentações produziram memórias importantes na equipe que trabalha no festival e, sem dúvida, no público.

Lembramos, por exemplo, de quando ela contou história num barracão abandonado na avenida Duque de Caxias, ocupado por artistas de rua e que hoje é a Vila Cultural Canto do Marl. Foi em 2016, no 6º ECOH, veja aqui.

Há 3 anos, a narradora se mudou para Portugal para um curso de doutorado, avançando determinada no seu caminho de pesquisar Infância. 

A artista volta ao festival em Londrina num momento de pensar e repensar o papel do narrador, suas escolhas e prioridades. 

O novo espetáculo, Niangara Shena Zimbabwe, faz parte do ciclo Decolonizando Olhares, Histórias para Lembrar Mundos, é fruto das inquietações atuais, de investigar as origens, olhar para o Brasil e seus desafios.

Conversamos um pouco sobre as descobertas e os novos rumos do trabalho de Kiara

Para quem ainda não a conhece, ela se apresenta assim:

“Kiara Terra era uma menina que tinha dois pais: O primeiro parecia o Fábio Jr. misturado com o Tom Jobim. O segundo era baiano, mistura de Dom Quixote e Tom Zé. Sua mãe queria ir embora com o circo, que nunca a levou.

Kiara nasceu em São Paulo quase na noite de São João e desde cedo gostava de inventar palavras novas.

Formou-se em Teatro no Célia Helena Teatro-escola e Comunicação das Artes do Corpo na PUC-SP. Conheceu Hélio Oiticica, Lygia Clark, a dança, a performance, a improvisação e tantas outras linguagens.

Mas antes de tudo, Kiara encontrou as palavras. Estas estavam em todas as partes.”

– Kiara, como está sendo o reencontro com o público depois de ficar longe do Brasil e vivendo o isolamento da pandemia?

Kiara Terra – Eu estou muito contente de voltar ao ECOH. Gosto muito desse festival. Acompanho desde a primeira edição e para mim é o meu festival mais querido de todos que existem no Brasil. Eu me identifico muito com as pessoas, com o modo de trabalhar. Acho que o ECOH faz escolhas muito abertas, muito plurais e fico muito feliz de voltar. Para mim vai ser muito emocionante. A última história que apresentei presencialmente antes da pandemia foi no ECOH. Então esse retorno para mim está sendo muito esperado e estou muito, muito feliz.

– O que te levou a desenvolver o espetáculo Niangara Shena Zimbabwe e o Ciclo Decolonizando Olhares?

Kiara Terra – É um espetáculo que traz muito das minhas inquietações atuais, dos estudos decoloniais do doutorado e também por conta desse momento histórico que o Brasil está vivendo, das lutas que eu tenho acompanhado. A luta antirracista, do movimento negro, a luta feminista e a luta pela vida das populações indígenas. Eu me aproximei muito desses grupos e de suas perguntas. Nesses anos de Portugal eu me sinto ainda mais brasileira no sentido de aprofundar raízes, de ver de uma outra perspectiva a minha origem e as conexões que essa origem gerou. É um espetáculo que traz perguntas sobre isso, de artista mesmo, de pesquisadora. Nesses quase 25 anos contando histórias, quais são as escolhas que eu fiz, que eu tenho feito e quais escolhas eu faço a partir de agora. Eu tenho pensado muito para quem eu conto, quem são meus pares e como é que eu quero construir esse diálogo. O ciclo Decolonizando Olhares, Histórias para Lembrar Mundos vem um pouco nesse sentido. 

– Uma das referências neste tema é a Giselda Perê que vai ministrar oficina no ECOH, concorda?

Kiara Terra – A professora Giselda Perê é uma grande inspiração para mim e a gente fez uma conversa importante para um podcast da fundação Usiminas que eu produzo. A partir daquela conversa, muitas coisas reverberaram no meu trabalho. Ela tem uma trajetória de educadora, educadora na rede pública. E um caminho cheio de descobertas e reconhecimentos. É muito inspirador ouvi-la falar. Vai ser uma delícia fazer o curso com ela no ECOH, se eu puder estarei lá.

– Você tem estudado bastante. Conta um pouco sobre o doutorado em Portugal.

O meu doutorado em Estudos da Criança na Universidade do Minho, Infância, Cultura e Sociedade, eu pesquiso a relação do narrador com as crianças, no sentido da escuta e da permeabilidade desse narrador. Como é que acontecem esses mecanismos de escuta? Quais são? Qual é a abertura que esse narrador tem? Como a criança (a ideia de criança a gente tem) baliza as nossas preparações. É sobre como essa ideiade infância e de criança se manifestam nas nossas escolhas como artistas e educadores. 

Temos que pensar nas nossas escolhas políticas, principalmente neste ano que a gente tem uma situação muito grave em relação à segurança alimentar. É uma situação muito grave de vulnerabilidade a partir da saída da criança da escola. Vivemos um momento agudo e urgente. Temos que pensar que criança é essa. Que pacto a gente faz em relação à defesa da garantia de direitos de crianças e adolescentes, dos brasileiros dessa geração de hoje. Os podcasts, os conteúdos que venho desenvolvendo entram nesse lugar, de fazer essas perguntas, encontrar os pares e pensar outras linguagens para a produção da arte narrativa. 

– Você produziu muito podcast na pandemia. Esse é um novo caminho?

Kiara Terra – É esse ano eu venho é com o espetáculo, como eu disse, com muitas outras inquietações e, durante a pandemia, eu me dediquei a fazer podcasts. Eu fiz podcast para o Itaú social, para o “Leia com uma criança”, também para as bibliotecas de São Paulo, ligadas aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU para agenda 2030 e para o UNICEF. Mergulhei muito nesse trabalho de roteiro, produção, apresentação, edição de vídeo e áudio e estou muito imbricada também nessas novas linguagens que trouxeram outras perspectivas para o meu trabalho como narradora. 

– Falando em pares, em referências, o ECOH também está oferecendo oficina com a Gloria Kirinus, autora de quem você gosta muito, não?

Kiara Terra Gloria Kirinus é uma das mulheres mais gloriosas que eu conheço nesses 25 anos contando histórias. Ela é uma mulher vibrante, inteligente, sensível e de uma capacidade interpretativa em relação à vida e de articulação de ideias que eu vi em poucas pessoas. Assim ela é para mim uma grande inspiração. Ela é tudo que eu quero ser quando eu crescer. A Glória que nos é alguém de uma agilidade mental e de uma sensibilidade raríssimas. Conversar com ela, fazer uma das aulas dela e fazer as oficinas de escrita que ela dá são experiências muito maravilhosas. Além de tudo, é uma grande amiga. A gente se conheceu em Ponta Grossa, num festival que aconteceu por lá e desde esse dia a gente não se largou mais. Assim a gente acompanha muito e fica perto e troca. E ela é para mim um par.