Ecoh

“A arte tem que estar mais no dia a dia das pessoas, dos trabalhadores, nas fábricas, no escritório, nas escolas, em todos os lugares mesmo. Arte para ter mais saúde, viver plenamente, com graça, com alegria, com tempo para você fazer algo a mais na vida do que só prestar um serviço social para o capitalismo, não é?”

Entrevista por Christina Mattos | Foto Ana Kumamoto

O Palhaço Adão já completou 25 anos é uma figura doce, simpática e esperançosa. Como diz o seu criador o ator e educador, Paulo César Gomes Martins, o Paulo Federal, todo palhaço é autoral e único, é um dos “eus” de quem o criou. O espetáculo Histórias de Palhaço que ele traz para o 11º ECOH revela a figura do palhaço com delicadeza para encantar crianças a partir de 3 anos de idade

Paulo Federal tem 30 anos de carreira e é um dos mais inventivos artistas paulistas. Estudou e experimentou diversas linguagens da atuação.

Em 2008 montou o espetáculo No meio da noite escura tem um pé de maravilha, que já foi apresentado no ECOH e tem direção de Regina Machado, uma das grandes mestras da arte da narrativa oral no Brasil.

Hoje Paulo continua sua pesquisa de narrador com o Grupo Pé de Maravilha e individualmente como Palhaço Adão. Integra a Cia do Quintal, Cia Bicicletas Voadoras e atua no espetáculo Viva o Paiaço com a Cia Megamini. 

Ele atua ainda no projeto SARalls que oferece saraus com um grande grupo de amigos que são atores, poetas, artistas visuais, talentos gastronômicos, terapeutas e outros profissionais da saúde.

Nessa rápida conversa Paulo Federal falou de suas referências, projetos e da sua visão sobre a importância da arte. 

Paulo, você faz um monte de coisa! Conte um pouco dos projetos que mais estão te empolgando hoje.

Paulo Federal – Algo que estou gostando muito de fazer é dar aulas de ilustração para crianças. Tenho desenhado com elas. Também estou desenvolvendo um trabalho autoral “O ser cindido” com um grande parceiro, Tom Will.  Estou com um espetáculo novo chamado “1..2..3..Some!” com Melissa Pasotti e o Allan Benatti.

Mas o que mais me empolga atualmente é ver os trabalhos novamente sendo realizados com o público presente, ter de novo a possibilidade de estar junto depois de tanto tempo. Parece chavão, mas é verdade. 

Quem é o Palhaço Adão? Como surgiu?

Paulo Federal – O Adão é o meu palhaço que já existe há mais de 25 anos. Ele surgiu por acidente, como geralmente acontece com os palhaços, com muitos deles. Ele foi sendo batizado, rebatizado. Já foi, Charlie, já foi Estrimilique e o Adão, que é o nome atual do palhaço, que é o mesmo.

O que foi determinante para você se tornar palhaço? 

Paulo Federal – Olha, muita gente me ajudou nessa busca, tem muitos mestres, não dá nem pra gente ficar nomeando. Mas todos, todas as pessoas que trabalham juntos na linguagem acabam sendo mestres também. Então eu. devo essa busca do palhaço aos parceiros e parceiras que me mostraram a graça de fazer essa persona. Que é tão personagem, quanto é você mesmo. O palhaço é único. Ser palhaço é uma liberdade muito poderosa para o artista, é se encontrar como criador, gosto muito disso.

Quem é referência e inspiração?

Paulo Federal – Acho que foram os grandes clássicos do cinema. O Gordo e o Magro, o Charlie Chaplin… O Jerry Lewis, “Os 3 patetas”. Quando eu era bem moleque, aquilo para mim era muito legal, aquela coisa, aquele ser humano torto, aquela realidade suave e grotesca do ser humano naquelas figuras. Aquilo foi uma grande inspiração para eu encontrar o sentido para humor. Pra que a gente ri? Por que a gente ri? O que é a graça?

O Adão vai contar histórias no ECOH para as crianças bem pequenas, a partir de 3 anos. Como é a abordagem desse público? 

Paulo Federal – O Adão vai contar histórias para todas as idades. Ele tem 3 histórias. Uma muito suave…ah…não vou contar o espetáculo senão fica chato. Mas, enfim, o palhaço aparece suavemente, eu tento aproximar essa figura pintada do ser humano que é, da pessoa. É mais ou menos isso para os pequenininhos. Essa história surgiu porque eu conto histórias numa creche todo ano e sempre tem os pequeninhos e sempre tem um choro. Mas esse processo acabou sendo interessante, o palhaço sendo revelado, aparecendo, na frente das pessoas. Então eu tenho um pouco isso nesse trabalho relacionado com a questão da, do ser humano pequenininho, não é? Daquela criaturinha pequenininha de 3 anos que provavelmente vai ver o espetáculo. 

O palhaço é mais amado que temido?

Paulo Federal – O palhaço pode ser amado e pode ser temido. Pode não ser nada disso também, mas o amor e o medo vibram muito no palhaço. São sentimentos muito fortes no ser humano então o palhaço navega um pouco entre essas duas coisas. O palhaço mais singelo tem mais essa coisa do amor. O palhaço mais temido tem um pouco a ver com o bufão, com aquele palhaço mais grotesco.

Você muda o roteiro conforme a reação do público. Fala um pouco do improviso na arte do palhaço.

Paulo Federal – O improviso é uma linguagem do artista da cena, ele tem que trabalhar com isso, seja ele palhaço, bailarino ou ator. Ele tem que estar sempre presente, na verdade, porque a qualquer momento, você pode sair do script. A arte da presença, da cena única acontecendo ali naquele momento preciso, tem que ter o improviso como um dos instrumentos do artista. 

Você faz encontros de arte e saúde, como o SARall. Que relação você faz entre arte e saúde?

Paulo Federal – O SARall, que é o sarau de todos, é uma realização do Coletivo 360, que acontece já há uns 7 anos. Nós temos já umas 25 edições. É um evento múltiplo, tem várias expressões artísticas. Tem exposição artes visuais, tem culinária, literatura, pessoas de várias áreas, também da saúde, da terapia. A gente mistura porque é um grupo que está junto há mais de 30 anos. Muitas dessas pessoas começaram a trabalhar com arte juntos. Isso é muito legal falar porque é uma família mesmo de artistas.

Qual é a importância da arte? 

Paulo Federal – Temos um pouco essa crença que a arte tem que ser introduzida de uma forma mais ampla na sociedade, abrindo um mercado maior para os criadores dos artistas, porque ela trabalha também na formação da pessoa. Como um ser sensível, criativo, múltiplo. Eu acho que a arte tem essa questão da saúde porque traz uma possibilidade mais ampla da vida, da existência. É essa a nossa relação entre arte e saúde. 

Eu não trabalho diretamente com pessoas como os Doutores da Alegria e várias outras correntes que trabalham com pessoas que estão já debilitadas, com alguma questão de saúde mais grave, internadas ou não nos hospitais. Mas tem pesquisas sobre isso que mostram a melhora dos pacientes e dos profissionais de saúde. Todos ficam mais positivos, mais cheios de energia. 

A arte tem que estar não só dentro do museu, do teatro. Ela tem que estar mais no dia a dia da dos trabalhadores, nas fábricas, no escritório, nas escolas, em todos os lugares mesmo. Arte para ter mais saúde, viver plenamente, com graça, com alegria, com tempo para você fazer algo a mais na vida do que só prestar um serviço social para o capitalismo, não é?