Ecoh

“O ECOH traz vozes diversas, nem sempre consoantes, às vezes podem ser até dissonantes, mas sempre com um respeito profundo pela vida. A palavra, na sua diversidade, pode expandir a experiência humana, esticar horizontes. Como diria o poeta Manoel de Barros, o ECOH é um grande esticador de horizontes.” Giuliano Tierno

Entrevista por Christina Mattos | Fotos por Valéria Felix

O narrador e pesquisador Giuliano Tierno participa do 11º ECOH convidando a dialogar sobre um tema muito atual: o cansaço provocado pelo bombardeio de informação e a exposição excessiva da individualidade na internet.

Hoje gastamos boa parte dos nossos dias olhando para telas onde se multiplicam imagens, textos e sons ininterruptamente, um comportamento que pode nos esgotar física e mentalmente e trazer uma série de problemas.

Precisamos de pausas para o descanso.

Giuliano Tierno sugere contar e escutar histórias como modo de escapar de nos fortalecer, evitar o esgotamento mental e alimentar nossa alegria.

Doutor em Artes, ele é sócio fundador d’A Casa Tombada, lugar de Arte, Cultura e Educação, vinculada à Faconnect – Faculdade de Conchas (SP), idealizador, coordenador e professor do curso de pós-graduação lato sensu A arte de contar histórias.

Fundada em 2015 em São Paulo, A Casa fechou a sede física em 2020 durante a pandemia, mas meses depois reabriu na cidade de Bragança Paulista.

Nós conversamos sobre o tema do encontro no ECOH, a percepção dele sobre o festival e as oportunidades de aprendizado oferecidas pela Casa.

– Me conte sobre as reflexões que te levaram a escolher o tema descansar do discurso.

Giuliano Tierno – O desejo de falar sobre descansarmos veio da percepção do bombardeio de informação. A metáfora bombardeio não é à toa.  Estamos vivendo um mundo bélico, de narrativa bélica. O mundo ocidental é marcado pelo armamento, pela invasão, pela guerra, mas a gente está num ápice disso, de uma subjetividade bélica. Eu comecei a prestar atenção no esgotamento do corpo. Num diálogo com muitos autores e pensadores do nosso tempo, percebi que a saturação, o esgotamento, é intencional e a causa, muitas vezes, é o excesso de informação. Preocupa também a excessiva necessidade de discursar sobre as verdades que circulam pelos nossos corpos e na construção social de cada um.

– Como a narrativa oral entra nessa conversa?

Giuliano Tierno – A proposta é trazer um pouco da dimensão dos contos como operadores do descanso. Como disse o filósofo Walter Benjamin, assim como o sono é a abstenção física, o ócio é a abstenção psíquica. Podemos localizar a ideia de ócio nesse estado em que esquecemos de nós para entrar no outro real possível. É sobre isso que quero versar.

– Como vai o trabalho d’ A Casa Tombada depois do impacto da pandemia?

Giuliano Tierno – Na pandemia a gente fez com muita gente pelo Brasil, pelo mundo, nos deslocamos para o interior. Saímos de São Paulo e fomos para Bragança Paulista, onde hoje está a sede física. A Casa Tombada nasceu sob o guarda-chuva de Arte, Cultura e Educação, mas muito claramente pensando a língua e a linguagem. Entendendo que a língua opera o poder e que a linguagem é a sua legislação e, portanto, estudar forma e conteúdo passou a ser de fato a coisa mais importante. Nós temos um núcleo de pós-graduação sempre com temáticas ligadas aos eixos de arte, cultura, educação, sempre tendo a palavra a linguagem, a língua, como focos. E essa trajetória nos traz muitos anúncios de pesquisadores e pesquisadoras que vão se agregando a esse projeto. Pessoas que entram para estudar, mas que vão se vinculando como uma espécie de egrégora de pesquisadores. A gente trabalha muito com a palavra oral. Há muitos cursos livres nessa direção da escrita como experiência, da oralidade e suas diversidades. 

– O que mudou a partir do momento que passaram a viver numa cidade menor?

Giuliano Tierno – O que mudou fundamentalmente na nossa experiência foi o ritmo. O fato da nossa operação ter se deslocado muito para o virtual, eu diria que a maior parte está na nuvem (a gente chama de A Casa Nuvem), ampliou os territórios. A casa física se tornou um lugar de convívio mais intenso e de uma trincheira, digamos assim, de convivas que queiram discutir a cultura local, pensar o tempo local. E, algo que a gente tem falado bastante, de cultivar os sensíveis, de redimensionar a ideia de cultura. Voltar-se a uma antiguidade da palavra ligada à agricultura, no sentido de que sensibilidade necessita de cultivo.

– Você já participou do ECOH em edições anteriores. O que você pensa sobre o festival?

Giuliano Tierno – O ECOH é uma referência fundamental para todo pesquisador, pesquisadora, artista da palavra. O nome é muito feliz. Fala da ideia de ecossistema, de uma diversidade, do eco das vozes que a gente pode escutar a cada edição.  É uma polifonia permanente, mantida pela curadoria (Claudia Silva e Dani Fioruci). São vozes diversas, nem sempre consoantes, às vezes podem ser até dissonantes, mas sempre com um respeito profundo pela vida. A palavra, na sua diversidade, pode expandir a experiência humana, esticar horizontes. Como diria o poeta Manoel de Barros, o ECOH é um grande esticador de horizontes. Tem uma máxima, pra gente que conta histórias, que é sobre como a gente faz para comunidades narradoras emergirem. Esse é o grande desafio no nosso ofício e acho que o ECOH cumpre essa função como nenhum outro festival. Existem muitos festivais pelo Brasil, importantíssimos, não poderia ser leviano e dizer que não existem. Mas eu acho que o que o ECOH tem de muito característico, muito específico, é a diversidade brasileira. É a busca por encontrar, escavar as raízes e a identidade da nossa gente, que não é fixa. Eu poderia ficar aqui o dia inteiro falando sobre o ECOH porque sou um profundo admirador e quando posso contribuir me sinto muito honrado, porque me coloco naquele lugar um pouco vaidoso de ser partícipe do mundo. A sensação que eu tenho é que estou sendo partícipe de algo tão importante que tem de ser feito. E que eu tive a honra, o prazer, a alegria de poder compor.

Des-cansarmos em tempos de guerras: afirmar o conto, suspender o discurso

Palestra e conversacom Giuliano Tierno (SP)
Quarta-feira dia 17/08 | 19h30 

Sesc Cadeião (Rua Sergipe, 52, Centro)

Entrada gratuita