Por Christina Mattos
A narradora Cristiana Ceschi, de São Paulo, veio a Londrina para participar do 14º ECOH – Encontro de Contadores de Histórias, com a oficina O fio vermelho das histórias voltada a professores da rede municipal e a apresentação do espetáculo Pássaro Preto – Emissários da Vida e da Morte.
Cristiana transita entre a arte e a pesquisa acadêmica. Formada em Teatro pelo Bayside College (Austrália) e em Ciências Sociais pela FFLCH-USP, em 2014 conquista o título de mestre em ensino e aprendizagem da arte pela ECA-USP. Fundadora do Coletivo As Rutes e vencedora do prêmio Artist Links/British Council, atua como artista da palavra em apresentações, oficinas, mentorias e treinamentos corporativos.
Desde 2012, ela também investiga e pratica as conexões entre Arte e Saúde no ambiente hospitalar, como integrante do Núcleo de Humanidades, Narrativas e Humanização em Saúde da Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP). Nesta conversa, Cristiana compartilha suas reflexões sobre a contacão de histórias no contexto escolar, o poder da narrativa em tempos de ansiedade coletiva e as motivações que a levaram a criação do espetáculo que fala de morte.
O que você me conta sobre a oficina com os professores em Londrina?
Cristiana Ceschi – Essa é uma oficina que trabalha um dos aspectos da poética do contador de histórias, que é o ritmo. Ao longo da oficina, eu converso com a turma e faço exercícios práticos sobre a vivência da cadência e da fluidez na palavra do contador de histórias. Os professores têm inquietações e dúvidas sobre outros aspectos da arte de contar histórias, então de alguma maneira o curso fica bem direcionado para eles. Eu vou ouvindo as dúvidas e tentando incluir o que já está programado, mas tornando sob medida.
Você sente que os professores têm interesse genuíno pela narrativa oral?
Cristiana Ceschi – Sim, vejo dois grandes desejos. Um é o de prender a atenção das crianças, usar técnicas de narração. O outro é o de nutrir a imaginação das crianças. Um é mais da performance, o outro mais do conteúdo simbólico. Mas eu acho que, acima de tudo, os professores gostam de contar histórias.
Todo mundo gosta de contar histórias?
Cristiana Ceschi – Não sei se todo mundo gosta de contar, mas todo mundo gosta de ser ouvido. Todos nós somos seres estéticos, sensíveis. Gostamos de conexão. As pessoas desejam se conectar e ser ouvidas.
O espetáculo Pássaro Preto é sobre morte. Por que escolheu tratar desse tema?
Cristiana Ceschi – Essa sessão de contos faz parte de um projeto maior, que estou desenvolvendo com a Beatriz Carvalho, uma parceira que vive no Canadá. Estamos criando uma intersecção entre linguagem visual, narrativa oral e performance. A Beatriz trabalha com animação.
Nós duas estamos lidando com a velhice dos nossos pais e, recentemente, perdemos nossos pais. Então estamos interessadas nesse tema: a morte. Ao falar da morte, falamos da vida. Não tratamos como algo mórbido, mas como algo natural, que tem a ver com os ciclos.
O pássaro preto aparece em diversas culturas como aquele que traz a luz, que traz o sol. As histórias dessa sessão falam sobre as muitas mortes e muitas transcendências em vida. E essa sessão está desenhada especialmente para o ECOH, por conta da minha amizade com a Claudia Silva, idealizadora do festival, que partiu recentemente. Por tudo que ela representa, por esse momento recente. Existe confiança, carinho e essa certeza de que a vida segue em outro tipo de florescimento.
A sinopse do espetáculo pergunta: “O que em nós pode voar?” O que essa pergunta quer dizer?
Cristiana Ceschi – É um convite. A gente tem dor, ansiedade, vivemos uma pandemia da saúde mental. O que ainda em nós pode voar? O que ainda pode sonhar alto? O que em nós ainda pode contemplar a paisagem? O que não pode ser comprado, mas que precisa ser vivido? É um convite à imaginação, à espiritualidade, ao essencial da vida.
A sabedoria ancestral é tema do seu trabalho. O que ela significa pra você?
Cristiana Ceschi – Essa sabedoria, vinda de várias culturas, oferece recursos simbólicos para uma vida mais consistente. Ela lembra a gente da finitude por meio da beleza, da profundidade. Ela traz um eixo vertical para essa vida horizontal que a gente leva. Um eixo que dá sentido e nos convida a mergulhar no mistério, a expandir a consciência. Você precisa se conectar com isso também, se quiser ter uma vida menos fuleira mais grandiosa, com mais sentido.
Qual o papel da narrativa oral hoje?
Cristiana Ceschi – Vivemos num mundo fragmentado, superficial, veloz. A história oral vai na contramão disso. Ela tem um percurso: começo, meio e fim. Ela organiza as pessoas. Cria conexão nutritiva. Quando existe vínculo, a história abre possibilidades. Amplia percepção, gera bem-estar. Faz bem.
Você também conta histórias em hospitais, como é essa experiência?
Cristiana Ceschi – Nos hospitais, a narrativa atua para além da mente, atua no corpo. Em UTI, por exemplo, a voz, a presença, a cadência da fala alcançam os sentidos mesmo em pacientes inconscientes. É algo sensorial, quase como a música. E acredito que isso ajuda a pessoa que está ali.
Por que você se tornou narradora?
Cristiana Ceschi – Porque eu não fui muito ouvida. Tem esse aspecto psicológico, mas também porque gosto da simplicidade. Sempre gostei de arte, de teatro, mas não gosto do excesso. Não gosto de musical, por exemplo. Narrar histórias combina comigo. É uma vertente da arte que combina comigo. Gosto do essencial, da síntese. A narrativa tem isso.
Pode contar um pouco da sua percepção sobre o ECOH?
Cristiana Ceschi – É um festival único. Estou aqui pela terceira vez. Tem uma sinergia entre as pessoas, um carinho, uma dedicação comovente. E tem uma pluralidade poética. Você vê diferentes estilos e todos de qualidade. Tem uma proposta triangular, que a Ana Mae Barbosa fala: apreciar arte, fazer arte e aprender arte. O ECOH tem esses três eixos vivos.
O ECOH vive um momento de transição, depois da partida da Claudia. Como você vê isso?
Cristiana Ceschi – A Claudia é imensa. Acho que o que ela fez está nas moléculas, no carbono, nas pessoas. Não tem fim. Ela contaminou essas pessoas que fazem o ECOH, no melhor sentido. Elas estão contaminadas da Claudia. E preparadas. Vejo brilho nos olhos, tudo sendo feito com afeto e entrega. Foi um aprendizado por espelhamento, como costumam fazer os grandes mestres da cultura popular. Não precisa dar aula. Claudia ensinou pelos gestos. Está viva em todos que continuam o trabalho dela.
