Ecoh

“Trabalhar com histórias é afirmar o tempo todo que, sim, é possível a gente se conectar com o nosso melhor apesar das nossas dificuldades, das feridas, das ações sociais, econômicas, políticas.” – Daniella D’Andrea

Entrevista por Christina Mattos. Fotos cedidas pela artista.

Com mais de 20 anos de carreira nas áreas de educação, arte e cultura, Daniella D’Andrea, de Niterói, no Rio de Janeiro, segue apaixonada por aprender e ensinar.  

Atriz com formação em dança contemporânea, dubladora, manipuladora de bonecos, coordenadora de projetos culturais com jovens de comunidades carentes do Rio de Janeiro, professora de arte da rede pública, Daniela tem muita experiência e grande dedicação à arte da narrativa oral.

Sua formação como narradora foi na Escola de Arte Granada, na região serrana do Rio, onde se tornou parte da equipe de Nicia Grillo uma referência na formação de contadores de histórias.

No 11º ECOH Daniella D’Andrea apresenta a narrativa artística A Arte de Governar a Si Mesmo.

Um conto da tradição oral árabe serve de moldura para um roteiro que entrelaça várias outras histórias e provoca uma reflexão sobre a capacidade governar a si mesmo e aos outros.

Conversamos com Daniella para saber mais sobre esse trabalho e também do caminho que a artista percorreu até chegar aqui. 

Me fala um pouco sobre o que você aprende e ensina ao contar histórias.

Daniella D’Andrea – Eu acredito que contar histórias é uma das maneiras mais refinadas de criar um processo de aprendizagem. Porque as histórias, enquanto material, são um instrumento muito impressionante de comunicação. 

Quando contamos uma história, estamos ao mesmo tempo contando a nossa própria história de alguma maneira. Nós estamos sempre conectados com algo particular da nossa experiência de vida e relacionamos isso ao conhecimento universal. 

A todo momento, quando nós contamos uma história, estamos fazendo pontes entre o que é particular, da nossa experiência pessoal, e o que é universal, da experiência humana. O que é do tesouro da experiência humana.

Isso se dá continuamente quando você vai trabalhando com as histórias. Ao estudá-las, ao pesquisá-las, ao contá-las, você fica sempre revisitando o conhecimento particular e a conexão com o conhecimento universal. 

O mesmo acontece com o público. 

Nos meus melhores momentos, nas minhas melhores recordações de contar histórias, eu percebo que, na verdade, tudo o que a gente faz é essa ponte. Ajudamos o público a se conectar com a sua própria experiência pessoal e perceber que ela faz parte da experiência coletiva e universal humana.

Essa é uma característica das histórias de tradição oral, das histórias de sabedoria, das histórias de ensinamento, das histórias ancestrais, que é muito o tema do ECOH deste ano. 

Eu acho que isso é apaixonante. É um processo de aprendizagem que não acaba nunca e onde ensinar e aprender é uma via horizontal e também vertical.

Horizontal, porque você está sempre ensinando e aprendendo. Enquanto você ensina, você aprende, não é? Enquanto você conta a história, você continua aprendendo sobre a sua experiência pessoal e sobre a experiência universal. 

Ao mesmo tempo é um processo de aprendizagem vertical porque a gente está se conectando com um tesouro ancestral. É vertical porque faz parte da nossa natureza humana e espiritual de algum jeito. 

– Você exerceu, e ainda exerce, várias outras atividades profissionais, mas a paixão é a narração artística?

Daniella D’Andrea – A minha paixão vem de perceber que o trabalho com as histórias está conectado com esse processo de aprendizagem.

Todas as outras experiências profissionais que eu tive como atriz, como dubladora, como professora, como arte educadora em projetos comunitários, tudo isso é para de alguma maneira estabelecer essa mesma ponte que as histórias me permitem acessar. O particular e o universal em mim e em todas as pessoas que de alguma maneira estão participando da experiência. 

As histórias foram feitas para todos nós, acreditam no melhor que cada homem, que cada mulher afirma nas histórias. Acreditam numa possibilidade melhor para todos no planeta. 

Trabalhar com histórias é afirmar o tempo todo que, sim, é possível a gente se conectar com o nosso melhor apesar das nossas dificuldades, nossas feridas, nossas ações sociais, econômicas, políticas. Temos algo melhor porque isso faz parte da nossa coletividade, da nossa noção de humanidade, da nossa noção de ancestralidade comum e diversa.

Então, seja trabalhando dentro de uma sala de aula, no teatro, numa oficina de arte, estamos afirmando que todos nós temos algo de melhor para oferecer, para acessar. 

Parte importante da sua formação foi na Oficina Escola de Arte Granada, uma referência na arte da narrativa oral. O que você vê de mais especial nessa escola? 

Daniella D’Andrea – Acho que a Nicia Grillo (fundadora da escola), criou uma metodologia de estudo das histórias que é simples e complexa ao mesmo tempo. 

A metodologia parte do princípio de realizar sucessivas leituras de uma mesma história e, a cada leitura, escolher um ponto de atenção. E a partir do ponto de atenção estabelecer uma relação com a nossa própria experiência pessoal. A gente lê e estuda as histórias sempre relacionando com a nossa experiência pessoal, com o conhecimento universal dos símbolos, dos lugares, dos arquétipos, dos atributos. 

A Escola de Arte Granada me ofereceu, assim como ofereceu para diversas outras pessoas, a possibilidade de estudar as histórias dessa maneira tão especial. É o principal presente da escola, fora que é uma escola belíssima, extremamente afetiva, num lugar muito especial que é São Pedro da Serra, muito próxima da natureza, na região serrana do Rio de Janeiro. Todas essas coisas também contribuem para quando a gente trabalha ou estuda na Escola Granada. Estar muito próximo de um de uma beleza simples, singela e profunda. 

Que provocações A Arte de Governar a Si Mesmo apresenta ao público?

O trabalho é uma parceria com o também narrador Warley Goulart, a partir de um processo reflexivo sobre a palavra governo. A gente começou a estudar e conversar, a trazer diversas histórias que de alguma maneira muito forte, traziam essa analogia de governo. Na verdade, o governo é uma coisa que está presente em muitas histórias. Todas as histórias falam de reis e rainhas, de príncipes, de princesas. É claro que não todas, mas são personagens que aparecem muito nas histórias e que às vezes estão buscando soluções para desafios. Para que se restaure ou se estabeleça um bom governo naquele local. Isso é muito comum nas histórias, que o príncipe e a princesa tenham que resolver alguma espécie de dilema para restaurar uma boa governança na sua terra natal ou na sua localidade. Enfim, é claro que essa analogia ela tem diversos níveis de compreensão. A gente pode compreender o que é restaurar uma boa governança tanto comparando com aspectos de experiências externas que a gente já viveu, como também de experiências internas. 

É sobre a gente conversar com nós mesmos com sabedoria. 

A intenção desse trabalho também foi muito pelo que a gente tem vivido, os dilemas importantes no Brasil e do mundo sobre uma boa governança. Para onde é que nós vamos, enquanto planeta, enquanto humanidade, se a gente não fizer escolhas que fomentem uma boa governança? A gente considerou importante, trazer histórias que, de alguma maneira, ajudavam a pensar sobre isso. Mas sempre respeitando os níveis de compreensão das histórias.

O que é governar a mim mesmo com sabedoria, harmonia e amor? 

O que é uma boa governança ou qual é o processo de aprendizagem para se chegar à uma noção de governo que seja sábia, que seja harmônica, que seja positiva de alguma forma?

Quais são os dilemas ou quais são as dificuldades, os entraves que fazem, às vezes, a gente se desviar disso? 

É tanto sobre o bom governo de dentro da gente, quanto sobre o bom governo fora da gente. Eu acho que essa foi a intenção desse trabalho, de realizá-lo nesse momento do nosso país.