O melhor jeito que encontrei para entrevistar Zé Bocca antes do 12º ECOH foi por troca de mensagens de áudio pelo WhatsApp. Funcionou muito bem. Mandava a pergunta, ouvia a resposta e perguntava de novo. Rendeu uma longa e agradável “conversa”.
O simpático Zé falava de Votorantim, na região metropolitana de Sorocaba, cidade onde já morei. Na época não conheci o trabalho dele, que bom que o ECOH deu essa oportunidade ao público de Londrina.
Ator, narrador e autor, Zé Bocca construiu carreira no teatro e se tornou mestre na arte de contar histórias. Ele desenvolveu a paixão pela oralidade desde a infância. Me disse que ainda menino adorava ir à barbearia mesmo quando não precisava cortar o cabelo, só pra ouvir o povo contando história.
No ECOH a missão era apresentar o espetáculo “Histórias para Ouvidos Pequenos”, acompanhado pelo músico Marcos Boi, e conduzir uma oficina voltada para professores e mediadores de leitura chamada “Da Boca pra Fora na Ponta da Língua”. Gostei tanto de ouvi-lo na entrevista que me inscrevi na oficina.
No dia 25 de agosto, Zé e Marcos fizeram a primeira apresentação do espetáculo na Biblioteca do CEU, na periferia de Londrina. No dia seguinte, 26, um sábado, a apresentação seria na Concha Acústica, às 10 da manhã, mas por causa da previsão de chuva foi transferida para um espaço coberto, a Vila Cultural Canto do MARL.
O sábado amanheceu chuvoso. Cheguei uns minutos atrasada, Zé já estava em cena, narrando a primeira história, pontuada pelo violino de Marcos Boi. A criançada ria muito e interagia respondendo animada ao narrador. Zé, um homem alto e corpulento, desfilava vários personagens engraçadíssimos mudando a voz e a linguagem corporal com muita competência. Uma performance memorável e, quem diria, a despedida do querido narrador.
O 12º ECOH foi o palco da última apresentação de Zé Bocca, da última sessão de autógrafos do livro dele “O Bicho Mais Poderoso do Mundo”, da última aula. O encontro em Londrina terminou no dia 31 de agosto, Zé encantou-se uma semana depois, no feriado de 7 de setembro.
Nós, que amamos tanto a contação de histórias, agradecemos imensamente o rico trabalho de Zé Bocca e seu legado. Foi uma honra tê-lo conosco. Vamos seguir espalhando seus causos, suas palavras, celebrando sua vida.
A seguir, alguns trechos da entrevista que Zé Bocca concedeu ao ECOH.
– Por que a narrativa oral é importante para o professor hoje em dia?
Zé Bocca – Eu acho que a oralidade é subutilizada no processo de educação dentro das escolas. Temos que levar em conta que as crianças que chegam às primeiras séries, carregam uma única ferramenta que é a oralidade. O aluno só traz a oralidade e depois é que passa a ser letrado e, como diria Paulo Freire, a leitura do mundo antecede a leitura das palavras. Hoje, nesse universo de internet, de virtualidade, em que nós estamos cada vez mais mergulhados, a oralidade pode ser vista como obsoleta, mas eu, como contador de histórias, como pesquisador e portador da oralidade, sei que é uma ferramenta importantíssima. Por isso estamos trabalhando com os professores. “Da Boca para Fora, na Ponta da Língua” é uma aula espetáculo que faremos durante o ECOH e tem como objetivo preparar educadores, professores, profissionais de educação e pessoas interessadas no assunto em geral, para usar essa ferramenta.
– Qual é o retorno que você recebe de professores que aprimoram as habilidades em narrativa oral?
Zé Bocca – Eles relatam uma melhora, uma dinamização, da comunicação entre professor e aluno em classe, além do aumento no interesse pela leitura. Ao contrário do que alguns podem pensar, contar uma história não prejudica a leitura do livro. Uma história bem contada incentiva as crianças a irem atrás do livro.
– E como é que se conta bem uma história?
Zé Bocca – Segundo escreve Regina Machado, no seu livro “Acordais – Fundamentos Teórico-poéticos da Arte de Contar Histórias”, não é possível ensinar ninguém a contar história, porém, todo mundo é capaz de contar histórias. Eu concordo, todo mundo é capaz de contar histórias. Para mim, são dois os pontos fundamentais. Em primeiro lugar o narrador deve ser um ouvinte muito atento das histórias que lhe contam. Em segundo lugar, tem de saber encontrar o ritmo de cada história, como ela respira, qual é a hora de revelar, de fazer uma pausa. Isso é técnica, 10% de inspiração e 90% de transpiração. Ainda sobre essa questão de ser um bom ouvinte de histórias, lembro de um caso durante uma das minhas oficinas, que ilustra bem como isso é fundamental. Uma menina de uns 18 anos comentou que estava triste e não tinha repertório porque na casa dela nunca ninguém contava histórias. Eu disse, bem, agora você vai contar, vai mudar isso. No dia seguinte, a jovem chega toda entusiasma e pede pra falar: Quero corrigir uma coisa. Eu disse na aula passada que na minha casa nunca ninguém contou histórias, mas, na verdade, eu é que nunca parei pra ouvir, na minha casa sempre contaram histórias.
– Por que você escolheu ser um contador de histórias?
Zé Bocca – Bom, primeiro, porque eu sempre fui um ouvinte de histórias, sempre gostei. Quando eu era criança, eu gostava de ir ao barbeiro cortar o cabelo, mesmo sem precisar, porque lá tinha várias pessoas, vários frequentadores que contavam causos, contavam histórias e eu ficava ouvindo. Eu me tornei ator profissional no final dos anos 80 e no ano 2000 fui trabalhar num colégio, dando oficinas de teatro. Para divulgar meu trabalho, passei a contar histórias em sala de aula. Isso funcionou muito bem, despertou algo dentro de mim, foi como se destampassem uma panela e eu me enveredei por esse caminho.
– O que é mais importante nesse ofício?
Zé Bocca – Acho que o mais importante é manter a chama da tradição acesa. Não lembro o nome do autor agora, mas tem uma citação que eu gosto muito, que diz: tradição não é revolver as cinzas, tradição é manter a chama acesa. Eu acho que é um pouco a minha função nesse trabalho. Manter essa chama acesa, a chama da oralidade. O meu nome é José Bocca, tenho boca pra falar. Até agora estava quieto, mas mudo eu não sei ficar.
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