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Silvia Castro: A Sereia de Copacabana passeia por Londrina

“Eu sempre conto histórias de situações que eu considero relevantes, a questão ambiental para mim é muito importante. A gente vê como os problemas climáticos estão mudando o mundo por conta da falta de educação ambiental. Precisamos ter atenção para esse fato. Eu sempre busco temas relevantes para as minhas histórias e textos como a questão ambiental, as questões sociais, o antirracismo. Considero o contador de histórias como um múltiplo de vozes, uma ponte entre as causas importantes e quem está ouvindo as narrativas.”

Silvia Castro é contadora de histórias, professora da rede pública do Rio de Janeiro e autora do livro A Sereia de Copacabana, destaque entre os contos do selecionados para o 12º Encontro de Contadores de Histórias de Londrina. 

Nascida num subúrbio carioca, em família humilde, Silvia descobriu na escola o prazer da leitura. Ainda criança já gostava de narrar para a família as histórias que mais havia gostado de ler nos livros.

Hoje ela viaja pelo Brasil e outros países se apresentando para plateias de todas as idades. A história da sereiazinha japonesa que chega ao Rio de Janeiro e se espanta com a poluição das praias, foi contada muitas vezes em sala de aula, sendo aprimorada por meio da interação com as crianças até virar livro.  

A defesa ambiental é apenas uma dos temas que a carioca aborda em textos e narrações. Para ela, o contador de histórias tem a responsabilidade de dar voz às causas importantes.

Entrevista por Christina Mattos. Foto: Acervo Silvia Castro.

– Por que você se tornou uma narradora?

Silvia Castro Eu me lembro que a primeira coisa que me encantou foi a leitura porque me dava a possibilidade de sair do meu contexto e chegar a outros lugares através da imaginação. Me tornei uma leitora voraz, ia na biblioteca da escola, pegava os livros, trazia para casa e lia todos. Eu gostava de recontar as histórias para minha família, para meus brinquedos, para quem fosse possível. Entendendo a história como essa possibilidade de você ir além. Você está no mesmo espaço e além sem usar praticamente nada. O que você tem é a voz e a intenção. Quando eu cresci me tornei professora, sou formada em Letras, de novo estavam ali os livros e as histórias em minha vida. Como professora de português e literatura brasileira sempre foi uma constante para mim essa situação de estar no lugar, contando a história para as pessoas, para as crianças, para os funcionários da escola.

 – Quais foram suas principais influências?

Silvia Castro Quando eu penso o que me influenciou a ser contadora de histórias, eu me lembro que sempre fui uma leitora. As narrativas eram muito importantes para mim, porque eu vivia num contexto de muita vulnerabilidade. Era uma criança pobre e através das narrativas tinha a possibilidade de fazer a grande viagem da imaginação. A partir da leitura eu ia contando as histórias. Lia e recontava, inventava, criava. Quando eu cresci fui descobrindo outros contadores de histórias que também me influenciaram. Muitos deles eram antropólogos, pessoas que estudavam, que iam até determinadas regiões do país, ouviam as histórias, recolhiam e transcreviam. O Câmara Cascudo é uma grande referência para todo o contador de histórias. Outra é a Ruth Guimarães, uma mulher à frente do seu tempo, dedicada a narrativa. Se a gente procura os contos que ela recolheu, vê que eles também são norteadores para vários outros contadores de histórias. Além disso, eu estudo com um outro contador de histórias o Celso Sisto. Pertencemos a um clube de contadores de histórias onde o Celso partilha referências para que possamos nos aprofundar e conhecer outros narradores, pessoas que recolheram as histórias antes da gente. O que importa é manter a chama da literatura oral viva, para que ela possa ultrapassar o tempo. 

– A questão ambiental sempre foi foco do seu trabalho?

Silvia Castro A história sempre tem que fazer sentido para mim, tem que falar de algum assunto que seja importante para mim. A gente vê como os problemas climáticos estão mudando o mundo por conta da falta de educação ambiental. Precisamos ter atenção para esse fato. Eu sempre busco temas relevantes para as minhas histórias e textos como a questão ambiental, as questões sociais, o antirracismo. Considero o contador de histórias como um múltiplo de vozes, uma ponte entre as causas importantes e quem está ouvindo as narrativas.

– Como você criou a Sereia de Copacabana, essa lenda moderna? 

Silvia Castro A Sereia de Copacabana surgiu no espaço da sala de aula. Eu contava uma história que é a lenda de Urashima, do folclore japonês. Uma história que terminava sempre de uma forma triste, em que o personagem conhece a sereia, namora com ela, mas volta pra terra e nunca mais a vê. Quando terminava a história, eu sempre falava para as crianças que é por isso que as sereias cantam, por seus amores perdidos, aí eu cantava uma ciranda brasileira. Só que quando terminava, as crianças estavam arrasadas. Eu acredito que a gente não pode interferir na história, cada uma tem a sua gênese, o seu jeito de ser. Se a história é triste, tem que ser contada como é. Mas e se eu continuasse a história? Então imaginei que essa sereia que estava lá no Japão, esperando esse homem que não voltou, se empodera e desiste de esperar, dá um basta e fala: vou viver a minha vida. Ela se levanta, sacode a poeira e vai em busca do destino. Foi assim que aconteceu. Considerando o que eu já disse, da intenção de tratar temas importantes, como manter os oceanos limpos, ela acaba chegando aqui na Praia de Copacabana e fica maravilhada com as pessoas, com o lugar, com a água, mas encontra um grande problema que é o lixo que as pessoas deixam na praia, na verdade em toda a cidade. Lixo que acaba invadindo os bueiros e causando enchentes. Acabou virando uma possibilidade de discutir o que fazer e também de se perguntar o que é lixo. Será que em vez de lixo, ele pode ser resíduo? Será que ele pode voltar de outras formas? Conforme eu ia narrando a história, perguntava para as crianças o que que elas encontravam quando iam à praia. Elas respondiam, relatando encontrar coisas assim, absurdas e copo plástico, tampinha… Esse foi um repertório que eu usei quando transformei a história em livro. O resultado foi essa lenda moderna que parte de um pressuposto fundamental, que é o equilíbrio entre a natureza e o homem, algo atemporal.

– E essa sereia está fazendo muito sucesso, né?

Silvia CastroA Sereia de Copacabana está trilhando um bom caminho. Foi adotada pelas salas de leitura da cidade do Rio de Janeiro, pela prefeitura do Rio de Janeiro. Não só no Rio, eu venho participando de vários encontros nas escolas contando a história, levando o livro, fazendo essa ponte entre a literatura oral e a literatura escrita. Inclusive, agora em maio, estive na Alemanha levando A Sereia de Copacabana, contando essa história para eles, falando do mar, da praia. O conto despertou um grande interesse por lá porque é uma forma de conversar sobre a questão do equilíbrio ambiental através de uma sereia que é divertida, que é engraçada. As crianças alemãs até cantaram ciranda brasileira, com sotaque, mas cantaram.  O livro ganhou tradução em alemão. Temos chegado a muitos lugares, tem sido um caminho bonito. 

– Como vê a sua participação no Encontro de Contadores de Histórias de Londrina? 

Silvia CastroEu estou muito feliz em participar do festival porque eu acho que é muito importante a gente trocar experiência, se encontrar. Precisamos nos perceber, ver como acontece a contação de histórias em outros lugares do Brasil. Eu já estive também em outros eventos fora do Brasil, em Cuba, no México, na Colômbia. Para mim é sempre muito bom encontrar pares, encontrar outras vozes, pessoas que também ajudam a manter viva a chama da literatura oral, fazendo que o que veio antes da gente permaneça, continue. Agradeço muito o convite, estou muito feliz.

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